terça-feira, 3 de maio de 2016

transbordar

          "Escorria, e as crianças sorriam.
          Era feliz, então sorria.
          E assim, aquele mundo cinza, coloria."

          - Se eu fosse uma gota de tinta, eu seria apenas uma gota de tinta, oras! - disse o coelho. - Que pergunta mais boba Alice!
          - Ah! Alguns a quem perguntei disseram que iriam colorir o mar ou o céu de outra cor. Me falaram também, que fariam parte de uma grande tela, chamada vida. Contaram-me que gostariam de deixar rastros por onde passassem, ou até fazer parte do equipamento fotográfico de um super profissional, cujo  trabalho é indicar lugares incríveis do mundo para viajantes inusitados.
          - Tudo isso é uma bobagem.
          - Bobagem é você dizer que seria "apenas uma gota de tinta", não seria apenas. Vida de gota de tinta não é fácil, sabia? Agora continue lendo a carta.

          "Hoje, eu sequei.
          Nostalgia da época em que eu fazia parte de um todo, éramos um pote de tinta cheio. 
          Tinta preta, adoro ser dessa cor.
          Conforme o tempo passava, eu via as pessoas, observava. Todas se satisfaziam de superfícies, vivendo de sentimentos pela metade, ou até sentimentos inventados.
          Eu não queria isso para mim, queria mergulhar, transbordar cor e calor, queria cada vez mais e mais sentir coisas reais, novas, inteiras.
          Escorri do pote, e pela primeira vez, pude ver, onde eu estava e entender certas coisas.
          Até que uma menina, ela sorria, me pegou com um pincel. Ele era meio áspero, e duro. Pra onde eu iria agora? 
          Ela passou o pincel por um cartaz, e eu respinguei. Eu estava sozinho agora. 
          Fiquei ali, até que:
          Hoje, eu sequei."

          - Alice, chega de besteira. Se eu fosse uma gota de tinta, querendo ou não, eu secaria. Agora vamos a um assunto mais importante: qual a semelhança entre um corvo e uma escrivaninha?

          "Escorria, e as crianças sorriam.
          Era feliz, então sorria.
          E assim, aquele mundo cinza, coloria."


inspiração: meu professor de português, Pedro, nos passou um exercício: se imaginar como algo que normalmente passaria despercebido no espaço. escolhi me imaginar como uma gota de tinta e aos poucos saiu essa crônica.
(depois fui perceber que se eu fosse um objeto, eu seria uma tinta, porque sou muito colorida e de vez em quando transbordo).  

2 comentários:

  1. Que as palavras sempre escorram dos seus dedos com a delicadeza áspera da sua verdade.

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  2. Escreve melhor que eu (não que eu escreva bem hahahahah)!! Orgulho da minha irmãzinha

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